terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Rio de lágrimas




        Eu era uma pessoa comum, com uma vida comum igual a tantas outras... Mas um dia dormi chorando e quando acordei estava dentro de uma canoa em um rio de lágrimas. Demorei pra entender toda aquela situação e compreender se eu estava acordada ou ainda dormindo. Começaram a cair pingos salgados no meu rosto e sua textura líquida respondeu minha dúvida: eu não estava sonhando. Mas como havia parado ali? Tentei relembrar todo o caminho anterior a minha chegada aqui, mas só conseguia lembrar que dormi chorando.
        Eu estava presa em uma imensidão, não conseguia ver terra ao meu redor, apenas água salgada. E aqueles pingos que pausadamente caiam do céu, caiam como se fossem bombas ao meu lado. Engraçado, em momento algum tive medo, porque era uma imagem linda de se ver. A cada gota cristalina que parecia cair em câmera lenta, fazia com que eu me acalmasse cada vez mais e conseguisse ver beleza em toda aquela paisagem e situação absurda.
         Mas minha curiosidade foi aumentando e não havia ninguém além de mim que pudesse me dizer onde eu estava. Tive vontade de me jogar na água, de me embrenhar naquele mundo desconhecido e talvez descobrir alguma resposta. Eu também poderia estar engana quanto a estar acordada ou não, e se me jogasse na água poderia, de fato, ter essa certeza. Só que eu não sabia nadar... se fosse sonho eu estava segura, sentiria agonia, falta de ar, mas não morreria. Mas e se não fosse?
          Resolvi ficar na canoa, afinal estava caminhando pra onde o curso das águas de lágrimas me guiava. “Alguma hora vai aparecer algo que faça sentido”. Eu repetia isso como um mantra, talvez com a intenção de me manter calma e sã. Mas nem minhas palavras pareciam fazer mais sentido. Será que estou ficando louca? Que estou delirando? Que estou em coma? As possibilidades começaram a me corroer. Gritei. Não poderia saber quais delas seriam a correta. Parei, respirei e tentei esvaziar minha mente.
          Até que os pingos cessaram e o céu que estava escuro foi se abrindo aos poucos. Tudo começava a clarear. A água salgada e sem movimento, se tornou doce e pude ver peixes brilhantes que pulavam ao redor da canoa. Mas nada daquilo continuava a fazer sentido. Eu devo ter acordado dentro de um livro. Na vida real não é assim que as coisas funcionam.
          E pela primeira vez, senti uma certa liberdade de estar em um lugar sem sentido e de eu não precisar também fazer sentido. Acreditei então que havia criado um lugar só meu, onde eu pudesse ser e fazer o que eu quisesse, nesse mundo eu saberia até nadar. Criei coragem e me joguei no rio. A água tinha a temperatura ideal de um abraço e surpreendentemente eu podia respirar debaixo d´água. E eu me entreguei a esse mundo, não sei se um dia volto. Acho que sempre pertenci a esse lugar e passei muito tempo dormindo e sonhando com mundos diferentes. As lágrimas já não existem, as dúvidas também não. Só a certeza de saber quem sou.



Desenho: Roberta Paredes
Também publicado na revista claraboia nº2: http://revistaclaraboia.blogspot.com/
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